Muito antes de Zygmunt Bauman
alardear que a vida é líquida na pós modernidade, Marshall Berman já nos
lembrou que tudo que é sólido desmancha no ar.
Mas o que isso quer dizer, essa
fluidez, essa evanescência? Onde as observamos? Cotidianamente, em todas as
nossas relações, sejam afetivas ou profissionais.
Uma das ideias básicas por trás
do conceito é a de que as coisas se personificam e as pessoas se coisificam. Ou
seja, passamos a atribuir valor demasiado às coisas, criando apego ao que é mera
mercadoria, e passamos a tratar as pessoas como coisas, itens descartáveis,
consumíveis.
Essa característica leva a uma
outra, a transitoriedade das relações. Como tudo é consumo, até mesmo os outros
seres humanos, mesmo as relações tradicionalmente mais importantes passam a ser
efêmeras, descartáveis, duráveis apenas na medida em que cumpram uma utilidade.
Por isso líquidas, porque não duram o tempo de se tornarem sólidas, não chegam
a criar vínculo efetivo, muito menos compromisso real.
No ambiente online, de amigos de
Facebook ou de grupos de whatsapp, isso fica explícito. A facilidade com que se
fica “amigo” de alguém é proporcional à de terminar a “amizade”. Basta um
click. Sem afeições ou explicações. Números de uma organização social que mede
sucesso e felicidade estatisticamente, através de contadores de redes sociais.
Essa facilidade com o que as
coisas acontecem num mundo líquido, essa velocidade de uma sociedade conectada,
24x7, tornam-se ditames, gabarito para todo o resto. Quase ninguém mais está
disposto a investir tempo em se dedicar a alguma coisa para colher resultados
futuros, quase ninguém mais quer se esforçar verdadeiramente para conseguir
algo de valor.
Infelizmente, essa expectativa de
facilidade e velocidade, vai formando uma sociedade além de líquida, rasa,
superficial, óbvia. Contraditoriamente, é a sociedade do conhecimento formada
por indivíduos que, em sua maioria, não querem perder tempo ou se esforçar para
obtê-lo.
O sucesso e a riqueza devem
acontecer de forma rápida e sem maiores esforços. Na velocidade de realizar uma
transação eletrônica, na facilidade de encontrar uma explicação no Google, sem o desafio real da complexidade da vida.
Alunos universitários que, em sua maioria, não
querem teoria, que não têm tempo a perder estudando nem estão dispostos a se
esforçar para ler os autores no original; preferem as apostilas, os resumos. Querem
o conhecimento colocado em suas cabeças de forma fácil e rápida, como um
download de arquivo via Dropbox. Que acabarão por se tornar profissionais que
vivem à base de citações da revista VOCÊ S/A ou do que ouviram no FANTÁSTICO,
que repetem o que a massa diz num control C, control V frenético, e que usam “filosofia” como expressão
pejorativa.
Mercado farto para os livros de autoajuda,
que prometem receitas simples para a felicidade, para o sucesso profissional e
para qualquer outro desafio humano. Bom também para os livros que prometem a
fórmula mágica, em sete ou dez passos, para ser um gerente eficaz ou para ser
um Líder de verdade, só precisando encontrar quem mexeu no seu queijo ou um
monge não executivo.
Ou, como a última moda, demanda inesgotável
para coaches e, agora, masters coaches. Alguém que promete "desenvolver" o outro, transformar-lhe, de maneira personalizada, objetiva, prática, tudo como o mundo atual exige.
Quem está familiarizado com a
proposta da caracterização das gerações e sua classificação, poderá enxergar o
z, o y ou o x em cada ponto do discurso, seja no objeto ou no sujeito que o
pronuncia. Isso porque o conhecimento, a ciência, partem da observação do mesmo
fenômeno, usando abordagens diferentes: o indivíduo (psicologia), o homem em
sociedade (sociologia) ou como garante sua sobrevivência (economia), por
exemplo.
Ter a capacidade de sentir-se
confortável no maelstrom, nesse turbilhão
potente de relações efêmeras, de mudanças hipervelozes e de predominância do
que é superficial e óbvio, é característica adaptativa relevante dos seres
humanos, absolutamente útil à sobrevivência.
Para os mergulhadores, resta aprender a se divertir em água rasa.
Para os mergulhadores, resta aprender a se divertir em água rasa.
Zé Mauro Nogueira