terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Marinélia - mãe

Todo mundo que se preze acha sua mãe a melhor do mundo. Nem sei se eu me prezo, mas a minha mãe é a melhor do mundo.

A gente passou por muitos perrengues juntos, sobretudo na infância, em Belém do Pará. Minha mãe lutou muito para nos sustentar e as coisas às vezes ficavam críticas. Ficar sem energia elétrica, morar em casa sem água encanada, almoçar açaí com farinha, economizar margarina, tudo isso são coisas que me lembro bem. E que ao invés de causarem revolta, sempre me fizeram querer ainda mais ficar perto e ajudar, ao invés de correr para o luxo do meu pai.

Mas se tinha uma coisa que incomodava a mim e ao meu irmão era o cigarro. Ela fumava demais. A gente, antevendo legislação que só viria chegar décadas depois, costumava desenhar caveiras nas carteiras de cigarro dela na tentativa de sensibilizá-la. Em vão. Nunca nos atendeu nisso.

Até que, há uns 10 anos atrás, mais ou menos, quando veio morar em Natal, sua cadela Suzy fugiu de casa. Desapareceu. Minha mãe ficou inconsolável, não comia, não parava de chorar. Utilizei meus contatos e consegui colocar na TV um apelo com foto e tudo da cadelinha. Confesso que não tinha esperança alguma, julgava que tinha sido atropelada. Mas, para minha surpresa, dois dias depois, alguém liga para dar notícia. Fui resgatar Suzy em Parnamirim, já devidamente rebatizada de “Xuxa”.

Mas surpresa maior mesmo eu tive quando, dias depois, percebi que ela não estava mais fumando. Havia feito promessa e estava cumprindo. Depois de quase 40 anos de tabagismo, depois de ignorar solenemente o apelo dos filhos, a danada deixa de fumar por causa de uma cachorra.

Anos depois, já em Itajaí, me cortou o coração vê-la fumando de novo.

Ainda bem que agora tem o Ravel e ele vive querendo escapar. Quem sabe?


Zé Mauro Nogueira


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Choro de pai


Eu lembro bem que estávamos em plena olimpíada de Atenas, o time de vôlei masculino estava afinado, acabaria campeão olímpico. Ninguém tinha Facebook ainda, que, aliás, acabava de ser criado, mas ninguém conhecia (bons tempos!). E eu me recuperava de uma infecção hospitalar que me deixou onze dias internado e me reduziu a pele e osso.

Tinham se passado quase nove meses desde aquela tarde de verão em que o teste de gravidez de farmácia tinha dado positivo. Era uma quinta-feira, me lembro bem. No início da noite fomos procurar a obstetra porque Camila estava sentindo algo estranho. Ela não sairia mais do hospital aquela noite.

Voltei pra casa para pegar as coisas e a família foi convocada. Assim como o anestesiologista, o tranquilo amigo Dr. Adelmaro que, para meu desespero, repetia a cada telefonema: estou chegando, estou chegando!

Tinham se passado apenas 10 minutos da meia noite, já era 27 de agosto. Levei um susto quando vi, custei a entender. Bem, era uma coisinha branca, silenciosa. Levei uns segundos para entender que era meu filho, seguro pelos pés, de cabeça pra baixo.

Em segundos experimentei as sensações mais fortes de toda minha vida. Primeiro, a pancada que é VER que tem um filho. Deus do céu, um filho! Jamais esquecerei o que senti, embora não tenha conseguido nunca transformar isso em palavras. Mas, como vem tudo junto mesmo, instantes depois eu já estava às voltas com o medo de perdê-lo. Eu não entendia porque tinham todos se debruçado sobre ele, com movimentos e expressões de gravidade. Na minha cabeça, ele estava morrendo naquele berço. Não sei quanto tempo se passou naquilo, mas foi a espera mais longa e difícil da minha vida. Até que ele chorou e todos retomaram a expressão de tranquilidade. Meu corpo tinha espasmos musculares de tanta tensão e emoção. O garoto custou a respirar e quase me mata do coração.  Nem bem chegou e já tinha me mostrado que eu nunca mais seria o mesmo.

Quando saí da sala de cirurgia, abracei e parabenizei os avós e tios presentes e depois fui para um canto de sala. Sentei em algum lugar e desabei. Chorei como nunca me lembro de ter chorado antes na vida. Nem depois. Um choro de felicidade, de plenitude, de medo, de alívio. O primeiro choro de pai.

Hoje Pedro completa 09 anos.

Zé Mauro Nogueira

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A danada da nossa natureza


Todo mundo sabe a fábula da rã e do escorpião, né? Aquela em que o sacana do peçonhento ferra o anuro no meio do rio, matando ambos, porque não conseguiu controlar sua natureza. Esse dilema é uma das grandes questões humanas.

Fritz Perls, também no campo metafórico dos animais, falou da águia e do elefante. Cada um se realiza sendo exatamente o que é. Que absurdo seria o elefante querer voar, fazer ninhos e botar ovos; e que tristeza seria a águia querer ter tamanha força e pele grossa.

Assim deveriam ser os seres humanos. Deveríamos aceitar a nossa própria natureza. Nem apenas aceitar, deveríamos valorizar a nossa natureza, tirando proveito de nossas qualidades e dando um pouco menos de valor às nossas limitações.

Um exemplo? Já imaginou eu fazendo força para ser sociável e simpático como o Daniel, o amigo insuportável personagem do texto abaixo? Não ia funcionar, ia ser falso, eu só iria ficar frustrado e talvez afastasse todo mundo de vez. Não, não tem jeito, eu sou mesmo é esse sujeito arredio, seletivo e desconfiado, mas fiel, generoso e cuidadoso com quem passa no meu crivo. Bom ou mau, sou quem eu sou.

O Caetano diz numa música uma grande verdade: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E isso vale para qualquer um. Há dor e gozo em cada jeito de viver e se posicionar no mundo.

Não quero dizer com isso que devamos abrir mão de buscar evolução e sabedoria. Síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim) também não vai fazer ninguém feliz. E conhecer a si mesmo, seus maiores medos e anseios, é talvez o melhor caminho para mudar comportamentos, sem, com isso, tentar mudar a essência. Pelo contrário, conectar-se cada vez mais com ela.

Muitas vezes nossas atitudes são mecanismos neuróticos de autoproteção, fruto de medos e dificuldades de travar contato com certas vivências. Medo de sentir dor, medo de ser rejeitado, medo da solidão, enfim, há sempre o que apavore o ser humano e o faça agir defensivamente, ainda que isso signifique sabotar a própria felicidade, a própria natureza.

Seja como for, só resta uma certeza: ninguém é igual a ninguém. E se é tão difícil para cada um aceitar a si mesmo, imagina aceitar o outro? Por isso é tão fácil confundir os sentimentos, mas isso já é outra história.

Zé Mauro Nogueira



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Daniel - amigo


               Se há uma coisa que me aborrece no trabalho é neguinho se metendo na minha área. Vai muito além da mera convicção sobre a importância do respeito à liderança. Deve ser mesmo coisa de cara chato.

                Eu trabalhava na Unimed, à época buscando certificação ISO, invadida por consultores especialistas em política da qualidade. Tem quem goste. Um belo e ordinário dia, escuto da minha assistente que ela havia mudado uma orientação minha porque um desses intrometidos, chamado Daniel, havia sugerido. Pedi imediatamente a presença dela e desse sujeito na minha sala. Emburrado que eu era (?), voltei minha artilharia verbal contra os dois. Da forma menos amigável possível dei meu recado, que pode ser resumido facilmente assim: “quem manda nesta merda sou eu”. E fim de reunião. Um desafeto a mais, pensei.
                Para minha surpresa, o almofadinha me chama para tomar uma cerveja. Han? Não entendi nada, mas gostei menos ainda do camarada, cara de pau, depois da demonstração inequívoca de antipatia que eu dei? Isso já é afronta. Resolvi sacar qual era a do forasteiro metido a superior.

                Isso deve ter uns cinco anos, no mínimo. O Daniel é mesmo um cara insuportável, daqueles que é amigo de todo mundo, cheio de generosidade e desapego, o típico cara “legal”, que vive dando lições em sisudos como eu, enfim, argh! O maluco já se mandou daqui tem um tempão, atrás dos filhos, e as filosofais conversas regadas a cerveja e whisky continuam fazendo falta.

                Zé Mauro Nogueira

quarta-feira, 31 de julho de 2013

O problema é o outro

Somos um país de malucos. Um bando de loucos, apesar de nem todo mundo ser corintiano. Há coisas no Brasil que só mesmo aqui poderia acontecer. De Gaulle foi muito criticado por dizer que este não é um país sério, mas, cá pra nós, que ninguém nos ouça, este não é mesmo um país sério, vai.

E não é de hoje. Lendo o livro do Laurentino Gomes, vi uma carta que um inglês mandou para seu país alertando para a desonestidade e preguiça dos brasileiros, na opinião dele, nada confiáveis na hora de negociar. Isso era 1822.

Aqui se rouba e derrete o mais cobiçado dos troféus do esporte, a Copa do Mundo, orgulho da nação; aqui ladrão vira celebridade; aqui motorista buzina se você evita bloquear o cruzamento; aqui se toleram as maiores filas do mundo, mas não se tolera esperar o sinal abrir; aqui neguinho faz merda e fica furioso se lhe chamam atenção; aqui se falsifica remédio e a pirataria é negócio sério.

É o país onde liberdade se confunde com liberalidade e todo mundo acha que as leis só valem para os outros. O mesmo cara que abre a boca para chamar político de corrupto, molha a mão do guarda quando é pego dirigindo embriagado.

Não gosto nada do Jabor, mas uma vez ele disse algo que me pareceu bem observado. Nos Estados Unidos quando alguém está querendo dar um “jeitinho” logo aparece alguém para perguntar: “Quem você pensa que é?”. Isso denota senso de coletividade, ninguém deveria ser mais importante que o grupo. Aqui no Brasil a frase mais usual é dita pelo próprio “esperto” se alguém ousar obstaculizar suas intenções: “Você sabe com quem está falando?”. Ou seja, dane-se a coletividade, o indivíduo acima do todo.

Um país que tem o desrespeito às regras em seu DNA, e que com uma ponta de orgulho batizou essa característica de “jeitinho brasileiro”. Romanticamente cantado como malandragem, como um jeito criativo de viver.

Este é o país onde se faz o que se pode, quase nunca o que tem de ser feito. É um país em que o código penal privilegia o criminoso, passando-lhe a mão na cabeça com atenuantes tantos que pouca gente cumpre pena. O jornalista Pimenta Neves, assassino confesso, passou até agora apenas seis meses preso. Deve passar mais dois anos e aí, regime semi aberto. A dor da família da vítima, o exemplo para a sociedade? Nada, coitadinho, ele tem o direito de recomeçar, de ter uma segunda chance.

Não adianta ir para a rua bradar por mudança dos políticos. Os políticos somos nós, gente como a gente, espelho desta sociedade corrupta e avessa ao cumprimento de regras. Corrupção também não foi inventada pelo PT, isso é pensar pequeno e com o raciocínio embotado pela ideologia e pelo preconceito, é ser papagaio de revista Veja. O PT não é pior do que qualquer partido. Só que também não é melhor, como sempre pregou.

Mudar o Brasil é mudar a si mesmo. Cada um de nós. É fazer o que é certo, cumprir as regras, respeitar a coletividade, o espaço e o direito do outro. Enquanto cada um não se enxergar parte do problema, não vai ser parte da solução também. O problema é sempre o outro. E segue o bonde, descendo a ladeira.

Zé Mauro Nogueira