quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O filho é seu, mas o mundo é nosso


Dia desses, minha amiga Andréia Nunes disse uma frase que me tocou. Não lembro exatamente como era, mas dizia algo quase assim: “me preocupo mais com os filhos que vamos deixar para este mundo, do que com o mundo que vamos deixar para nossos filhos”.

Isso me veio novamente à cabeça lendo em uma dessas revistas semanais uma matéria sobre os adolescentes de classe média alta que espancaram jovens pobres em São Paulo. Bastante machucado, um dos agredidos teve de ouvir da mãe de um dos trogloditas, uma dondoca paulistana, algo que me impressionou: você não precisava ter prestado queixa em delegacia. Em outras palavras, coitadinho do meu filhinho, ele te espancou covardemente, mas o errado é você, era só uma brincadeira.

Mais um exemplo de criança que teve tudo, criada sem limites e sem a devida atenção, que se torna um adulto mau caráter, covarde e perdido numa existência vazia e solitária. Fruto de mãe distante e complacente e de pai ausente e irresponsável. Clichês, mas espalhados aos bandos por um mundo cada vez mais apegado ao ter, ao individual, à imagem.

Neste arranjo social que marca nossa época, em que pais e mães trabalham, é preciso atenção redobrada para não confundirmos falta de tempo com ausência, cansaço com desinteresse, necessidade de ajuda com transferência de responsabilidade.

Nossos filhos precisam ser educados por nós, não pelas escolas ou pelas babás, entendendo que amar, muitas vezes, significa dizer não. Não podemos fazer sempre suas vontades, atender a todos os seus caprichos. Não podemos abandoná-los à própria sorte, tampouco podemos passar a mão em suas cabeças sempre que cometerem erros.

Nosso tempo com nossos filhos tem de ser verdadeiramente deles, de atenção, de interesse sincero, de afeto, tempo de qualidade que nos permita saber, entre outras coisas, o nome de seus principais colegas de escola.

Amor de pai e mãe é perigoso. Filhos podem e precisam viver as contrariedades da vida, não podemos querer privá-los de todo e qualquer sofrimento. Precisamos impor limites, manter a autoridade, sendo próximos e afetuosos, mas sem jamais esquecer que somos pais ou mães, nunca amiguinhos.

Se antes corríamos os riscos do autoritarismo, hoje corremos os riscos da permissividade, em boa parte alicerçada na culpa pelo pouco tempo disponível, mas também porque é mais fácil deixar pra lá. Ser bonzinho é fácil, difícil é ser justo e firme, sobretudo num país onde dar uma palmada na bunda agora é crime, dar bronca pode ser caso de assédio moral e colocar de castigo pode traumatizar o “Juninho”.

Não defendo a violência. E nem sei o quanto acerto ou erro. Mas sou pai de um menino de seis anos que nunca levou uma palmada ou ficou de castigo, mas que aprendeu com algumas poucas lições que ao pai se deve respeito, sem que isso signifique medo ou desamor.

Se quisermos um mundo melhor, temos de cuidar de oferecer a ele filhos melhores, afinal, crianças crescem. E o filho pode até ser seu, mas o mundo é nosso.

Zé Mauro Nogueira

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A bunda


A bunda basta-se! Disse Drummond, algo pensado, certamente, enquanto observava o rebolado das cariocas, sentado em seu habitual banco na praia de Copacabana. Em terras tupiniquins, a bunda parece mesmo bastar-se.

Somos um país de bundófilos, adoradores da entidade máxima de nossa identidade cultural, mais forte do que samba e, até mesmo, mais do que futebol. Há quem não goste de futebol ou de samba, mas de bunda, nunca vi. É a única unanimidade nacional, além de Chico Buarque, suspeita-se.

Isso diz muito sobre nós. Os americanos, pragmáticos e sem imaginação, gostam de peitos. Os europeus, sofisticados e apegados ao design, valorizam as pernas. Mas nós gostamos mesmo é de bunda, essa coisa meio engraçada, como percebeu o poeta, meio brincalhona e subversiva, que parece sempre estar mandando um recado rebolado.

Os peitos até que tentaram um contra ataque, turbinados pelo patrocínio yankee da indústria de silicone e de sua máquina de dominação cultural, mas não caíram muito no gosto do povão.

O fato é que a bunda é senhora, até porque, é vantagem competitiva sólida da mulher brasileira. Não há terra com bundas iguais, nem mesmo as tchecas ou húngaras ostentam traseiros tão belamente esculpidos. Deve ser coisa de nossa origem, mistura genética de senzala africana com os nobres salões europeus, algo que talvez fosse mais bem explicado por Gilberto Freyre.

A bunda constrói fortunas, destrói casamentos, promove ascensão social, garante sucesso corporativo, cria fama e popularidade, gera cobiça, aumenta audiência de TV, vende cerveja, perfume, sapato e até, pasmem, discos. E olha que bunda não canta, ainda que a Carla Perez quase tenha nos convencido do contrário.

E não pensem que apenas os homens adoram essa entidade poderosa. As mulheres também são devotas, seja apreciando a retaguarda masculina, seja cultivando cuidadosamente suas próprias bundinhas em academias de ginástica, valorizando-as com jeans apertados ou outras subliminares formas de destacar seu patrimônio estético-social.

Para alguns a bunda chega a ser até uma espécie de espelho da alma, traduzindo a personalidade de sua proprietária: bunda pra dentro, significaria timidez; bunda pequena, mas arrebitada, seria sinal de faceirice extrema; bunda grande representaria generosidade e por aí vai, num verdadeiro tratado bundístico que mataria de inveja qualquer estudioso de psicobiologia.

Mas nem todo mundo concorda com isso, claro. Rita Lee estampou sua contrariedade dizendo que “nem toda bruxa é corcunda, nem toda brasileira é só bunda”. Concordo. Só que falta profundidade no entendimento da questão. Claro que não é só bunda, há muito mais do que isso. Só que não basta. Já a bunda, ah, a bunda basta-se.

Zé Mauro Nogueira